Posted On 2015-09-18 In Artigos de Opinião

O que é que torna puro o coração humano?

Homilia dominical, Pe. Oscar Saldivar •  

Domingo 22 do Tempo Ordinário – Ano B

Queridos irmãos e irmãs

No Evangelho que acabámos de escutar (Mc 7, 1-8, 14-15, 21-23) somos testemunhas, de novo, de um confronto entre Jesus, os fariseus e os escribas. Este confronto em torno das “abluções”; isto é, em torno dos ritos de purificação religiosa, por meio, da água, dá a Jesus, a oportunidade de nos ensinar o que é que, verdadeiramente, purifica o coração humano.

“Porque é que os teus discípulos comem com as mãos impuras?”

Quando os fariseus e os escribas se aproximam de Jesus e veem que os Seus Discípulos comem com as mãos impuras – isto é, sem as ter lavado antes – então, confrontam-no com a pergunta: Porque é que os teus discípulos não procedem de acordo com a tradição dos nossos antepassados mas, comem com as mãos impuras?”

Por trás da pergunta e da censura dos fariseus subjaz a pergunta sobre a pureza. Subjaz o anseio da pureza. A pureza da pessoa, a pureza da alma e do coração que, permite entrar em relação com Deus. É o que se pergunta no Salmo 14,1: “Senhor, quem pode hospedar-se na Tua tenda e habitar no Teu monte santo?” A este anseio, Jesus responde no Evangelho de Mateus dizendo: “Felizes os que têm o coração puro porque verão a Deus” (Mt 5,8)

As abluções rituais queriam conseguir isso, purificar o Homem, torna-Lo capaz de viver na presença de Deus, para “habitar no monte santo”. Mas, as abluções e outras práticas rituais só podem purificar o exterior do Homem e, não, o seu interior. E, justamente, a relação com Deus vive-se a partir do interior, a partir da nossa interioridade, a partir do nosso coração: o nosso núcleo pessoal e autêntico.

Por isso, não se pode sustentar uma relação com Deus a partir da mera superficialidade, não se pode sustentar uma relação com o Deus vivo, somente, a partir do costume sem sentido, sem alma, sem compromisso pessoal. Não se pode viver a relação com Deus a partir de um mero cumprimento exterior.

“O seu coração está longe de mim”

A resposta de Jesus é impressionantemente dura e taxativa: ”Hipócritas! Bem profetizou sobre vós Isaías, na passagem da Escritura que diz:” Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me rende culto: as doutrinas que ensinam são, apenas, preceitos humanos” (Mc 7, 6-7)

Jesus denuncia a superficialidade e a mera exteriorização na relação com Deus, denuncia o contentar-se com o cumprimento exterior e o pensar que, pela simples prática exterior – sem alma, sem compromisso pessoal e social – nos tornamos capazes para a amizade com Deus.

E, ao fazê-lo corrige, também, a nossa praxis religiosa. Ao citar a passagem do Profeta Isaías (Isaías 29, 13), Jesus mostra-nos que há uma correspondência entre o coração humano e a Palavra de Deus, entre a interioridade humana e a Palavra de Deus. Deste modo, Jesus responde à pergunta de fundo: o que é que torna puro o coração humano? O que é que o purifica e o faz pleno?

O que purifica o nosso coração e o preenche em plenitude é o contacto cheio de fé com a Palavra de Deus, com a Sagrada Escritura, com os Evangelhos. Na leitura atenta, em busca e orante dos Evangelhos, encontramo-nos com a vida, com os gestos e as palavras de Jesus. Trata-se do contacto com o próprio Jesus, a Palavra de Deus feita Homem, feita pessoa humana.

Quando Jesus nos adverte que não são as circunstâncias externas as que nos tornam impuros mas, o que brota do nosso próprio interior (cf. Mc 7, 20-23), ajuda-nos a compreender que se abandonamos o nosso coração às suas inclinações egoístas perde-se, perdemo-nos. Por isso, é oportuno perguntarmo-nos: cuido do meu coração? Com que é que eu encho o meu coração, o meu interior? A quem, ou, a quê é que eu entrego o meu coração?

“Oh Deus, cria em mim um coração puro”

Se, ao olharmos para o nosso próprio coração nos damos conta que, dele emanam tantos maus desejos e acções egoístas, não devemos desesperar. Com sinceridade devemos reconhecer a nossa pequenez e a nossa fragilidade perante Deus e rezar com fé: “Oh Deus! Cria em mim um coração puro, renova-me por dentro com um espírito firme” (Salmo 50, 12)

Ao reconhecimento da nossa própria pequenez, deve seguir-se a oração e o anseio. E, com o anseio, a decisão interior – o compromisso – de nos aproximarmos da Palavra de Deus, de aprendermos a lê-la, de aprendermos a gostar dela. Deixarmo-nos tocar por ela, deixar que ela habite no nosso interior e, deste modo, enchermos o nosso coração com a Palavra de Deus, com o próprio Jesus. “Recebam com docilidade a Palavra semeada em vós que, é capaz de vos salvar (Tg 1,21) diz-nos a Apóstolo Tiago na sua carta.

“A Palavra de Jesus não é, apenas, palavra mas, Ele próprio. E, a Sua Palavra é a Verdade e é o Amor” que nos purificam porque nos presenteiam “o dom do encontro com Deus”[1]. Sim, o que purifica o nosso coração é o encontro pessoal com Jesus Cristo, a relação com Ele, a amizade com Ele.

Que Maria, que guardava todas as palavras e gestos de Jesus no Seu coração (cf. Lc 2, 19, 51), nos ajude e, eduque o nosso interior, para acolhermos com sinceridade e esperança a Palavra de Deus que purifica o nosso coração. Amén


[1]
RATZINGER/BENTO XVI, Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até à Ressurreição (ed. Principia | Lisboa 2011)

Original: espanhol. Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

 

 

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