Posted On 2010-02-28 In Artigos de Opinião

Trinta e cinco anos mais tarde: Entrevista com o Pe. Ángel Strada, Postulador do processo de beatificação do Pe. Kentenich

P. Ángel Strada

Francisco Grondona. Há 35 anos, mais precisamente, em 10 de fevereiro de 1975, deu-se a abertura do processo de beatificação do Pe. José Kentenich, em Trier, Alemanha. Desde 20 de janeiro de 1997, o Pe. Ángel Strada é o Postulador da causa de beatificação do Pe. Kentenich, bem como, desde há alguns anos, da causa de beatificação de Mário Hiriart, cujo processo já se encontra em Roma. Nesta entrevista, o Pe. Ángel Strada fala a respeito do estado atual do processo, dos passos a ser dados, assim quanto como manter vivo o interesse pela canonização de nosso Pai Fundador, transcorridos 35 anos da abertura do processo.

 

Em que consiste o processo de beatificação e de canonização? Quais os passos a ser dados e como se dá todo o seu procedimento?

O processo de beatificação e de canonização é um processo jurídico da Igreja Católica para verificar a santidade de uma pessoa e de seu reconhecimento como modelo de vida segundo o Evangelho e intercessor junto de Deus, autorizando o culto litúrgico em sua memória. No decorrer dos séculos, este processo tem tido diversas formas. Hoje, segundo a situação jurídica em vigor desde 1983, o processo é constituído de duas etapas. A primeira etapa é uma etapa informativa e ocorre na diocese, em que faleceu a pessoa. Esta etapa consiste, sobretudo, em escutar os depoimentos das testemunhas, sejam estas favoráveis ou desfavoráveis à pessoa em causa, e na recolha de todo o material que possa servir de pesquisa de sua vida e de sua heroicidade de virtudes. A segunda etapa ocorre em Roma e é a decisiva. A Congregação para as Causas dos Santos faz uma avaliação das informações recebidas e, mediante o auxílio de oito teólogos e de sete bispos e cardeais, chega a uma tomada de posição definitiva que será então apresentada ao Santo Padre. No caso dos confessores, segue-se, em seguida, o processo do milagre, cuja primeira etapa sucede na diocese onde foi operado o milagre. No caso dos mártires, não é necessário milagre algum para a beatificação.

Quando teve início o processo de beatificação do Pe. Kentenich, e em que etapa se encontra atualmente?

Padre Ángel StradaA pedido da Presidência Internacional de Schoenstatt, a abertura oficial do processo foi feita pelo Bispo de Trier, Alemanha, Dom Bernhard Stein, em 10 de fevereiro de 1975, seis anos e meio após a morte do Pe. Kentenich.

Todos os requisitos requeridos na etapa diocesana já foram efetuados: depoimentos de testemunhas, o exame dos escritos publicados e a apreciação de escritos não editados, a documentação sobre a fama de santidade, o decreto de não culto litúrgico etc. Neste último trecho, o processo sofreu certo atraso, devido à acumulação do trabalho do Delegado Diocesano, que é, ao mesmo tempo, o Vigário-Geral da Diocese de Trier. Tanto ele quanto o novo Bispo de Trier, Dom Stephan Ackermann, acentuaram expressamente sua vontade de que nos próximos meses os trabalhos – muitos de ordem técnica – podem ser então dados por encerrados. Tais trabalhos têm a ver com a numeração dos documentos, sua antenticação, a elaboração de índices etc. Quando isso ocorrer, pode então ser efetuada a sessão de encerramento e enviada a documentação para Roma. Quando isso se der, informarei a Família sobre este acontecimento.

Quantos escritos do Pe. Kentenich tiveram de ser estudados?

Na legislação do processo de beatificação, é exigida a apresentação de todos os escritos existentes, em que é feita a distinção entre escritos publicados e não publicados. Os escritos publicados do Pe. Kentenich ( livros e escritos publicados) foram estudados por teólogos nomeados; estes os examinaram e declararam nada haver neles contrário ao dogma e à moral da Igreja. Os escritos não publicados foram objeto de estudo de uma comissão de historiadores, nomeada pelo Bispo de Trier. Cerca de 120 arquivos religiosos e civis na Alemanha e em todos os países em que esteve o Pe. Kentenich foram consultados em busca de documentos referentes a ele. Foram catalogados cerca de 29 mil documentos ( cartas do Pe. Kentenich e cartas sobre ele, conferências, homilias, estudos, notícias etc). Todo este material é um testemunho do grande campo de trabalho do fundador, de seu incansável serviço prestado a pessoas e comunidades, de sua sabedoria e consciência de missão. Outrossim testemunham sua autoridade moral e fama de santidade, em face do fato de que muitas pessoas guardam como um tesouro uma carta recebida ou apontamentos de suas conferências.

É importante acentuar que o exame dos escritos não constitui o tema central, mas um processo. “Não são canonizadas ideias, senão vidas”, assim escutei eu certa vez um perito dizer. O mais importante é a existência concreta da pessoa e os vestígios de seu seguimento incondicional a Cristo. Por isso, as declarações das testemunhas que estiveram em contato próximo e direto com o Pai Fundador são as fontes mais significativas.

O Pe. Kentenich ressaltou a santidade da vida diária. Poderia isto significar que milagre obtido por sua intercessão será, não uma grande manifestação, senão um pequeno ato do dia a dia?

Sem dúvida alguma, a santidade da vida diária é a mensagem central de nosso fundador. É igualmente a mensagem do Concílio Vaticano II, ao afirmar a vocação de todos os batizados à santidade. Contudo, quando a Igreja reconhece um milagre, ela certifica a existência de um acontecimento extraordinário de graças que ultrapassa as leis da natureza. É uma grande manifestação do poder de Deus que não tem explicação científica possível e que não pode ser atribuída a forças humanas ou naturais.

O requisito de um milagre para a beatificação de um confessor corresponde ao desejo da Igreja segundo uma confirmação divina para o resultado positivo a que ela chegou, concluída uma intensa investigação da vida da referida pessoa, antes de dar o último passo da declaração de sua santidade. Sabemos que o Pe. Kentenich era muito reservado ante fenômenos extraordinários da graça. De modo algum os negou, mas sempre acentuou a importância da fé prática na Divina Providência nos acontecimentos usuais da vida e da história. Do mesmo modo acentuou a importância da obediência para com as normas da Igreja. Confiantes temos de pedir a graça de um milagre operado por sua intercessão, a fim de que a Igreja reconheça a santidade de nosso Pai Fundador.

Exerce alguma influência sobre o processo do Pe. Kentenich pelo fato de que a fase diocesana do processo de beatificação de vários de seus filhos e filhas espirituais já se encontre encerrada: José Engling, João Pozzobon, Ir. Emilie Engel, Mário Hiriart?

Padre KentenichO Santuário deve ser “berço de santidade” para muitos, assim se encontra no Documento de Fundação. Quem vive fiel e generosamente a Aliança de Amor de 18 de outubro de 1914, esse é conduzido à plenitude da vida cristã, assim afirmou João Paulo II, em setembro de 1985. A esta plenitude chegou nosso Pai Fundador e muitos daqueles que o seguiram. Na história da Família há vidas exemplares: Max Brunner, Hans Wormer, Pe. Reinisch, Bárbara Kast, Gilberto Schimmel, Pe. Hernán Alessandri… Suas vidas são um testemunho da atuação de Deus na história de nossa Família. Foram personalidades totalmente diferentes e viveram em culturas e épocas diferentes. Sem embargo, todos tiveram a mesma fonte de santidade: a Aliança de Amor. De modos diversos, todos estiveram sob a influência da paternidade espiritual do Pe. Kentenich. São, por o mesmo, fruto da própria aspiração à santidade dele. O Pe. Kentenich não foi um santo isolado. Creio que é muito significativo o fato de muitos processos de seus discípulos decorrerem juntamente com o seu processo de beatificação e de canonização. Todos revelam a fecundidade do carisma do fundador. E que em Schoenstatt o Santo Espírito queria mostrar um novo caminho de santidade na Igreja. Na Igreja, há caminhos de santidade sumamente fecundos e reconhecidos – os caminhos abertos por Bento de Núrsia, Francisco de Assis, Teresa de Ávila, Inácio Loyola… Eles ofereceram à Igreja e à humanidade figuras insignes. O caminho aberto pelo Pe. Kentenich começa a ser avaliado pelas diversas causas de canonização. Espera-se que todas essas causas encerrem como reconhecimento de santidade, tanto a do Fundador quanto as de seus discípulos.

Que fazer para que se mantenha vivo o interesse da Família de Schoenstatt, transcorridos mais de 30 anos da abertura do processo?

Em minha tarefa como Postulador, tenho podido vivenciar de muitas formas a vivacidade deste interesse, tanto nas pessoas quanto nas comunidades. Isto vivenciei há algumas semanas, por ocasião de alguns magníficos encontros tidos em diversos centros schoenstattianos do México. Tal interesse manifesta-se de diversas formas: a oração pela beatificação, a reza de novenas, o auxílio financeiro, o interesse pelo curso do processo, encontros e jornadas sobre este tema etc. Pessoas oriundas de muitos países peregrinam ao Santuário Original , assim quanto ao túmulo do Pe. Kentenich, visitam a Casa do Pe. Kentenich e a Casa de Formação das Irmãs de Maria, onde viveu o Pe. Kentenich os últimos três anos de sua vida. Em quase todos os centros schoenstattianos, espalhados pelo mundo inteiro, foram erigidos memoriais ou lugares de encontro com o Pe. Kentenich. Esta e muitas demais manifestações expressam que a pessoa do fundador ainda permanece viva em sua fundação. E não é de admirar que outrossim permaneça desperto o desejo de que a Igreja reconheça a santidade de nosso Fundador. O processo já decorre há 35 anos; e não é de esperar que a etapa romana possa desenvolver-se prestamente. Pelo contrário, esta etapa exige muito tempo e trabalho. Sem embargo, o importante é, não a presteza da causa do Pe. Kentenich, senão a importância desta para a vida da Igreja.

Que significaria então a canonização do Pe. Kentenich para a Igreja?

Cada santo faculta algo de decisivo à Igreja: ele mostra que é possível viver o Evangelho de Jesus Cristo. Eles mostram que a fé cristã não consiste em ideias utópicas nem em uma mera proclamação de verdades alheias à realidade. A vida nova que nos é dada por Cristo, transforma vidas humanas com nome e sobrenome próprios. Cada santo tem uma própria psicologia e vive em uma cultura concreta; ninguém permanece poupado de processos de amadurecimento, experiências da grandeza de Deus e da pequenez humana. Paulo não é Pedro, Francisco de Assis não é Inácio de Loyola, Teresa de Ávila não é Teresa de Calcutá. Cada um segue a Cristo de forma pessoal e original. E todos conjuntamente revelam com o próprio perfil a riqueza incomensurável do mistério de Cristo. Isto nos possibilita ter uma variedade de modelos e de caminhos para a própria aspiração à santidade. É o sentido das diversas espiritualidades na Igreja. E da livre escolha de cada cristão a quem ele deseja venerar e ter como modelo e intercessor no céu.

O teólogo Urs von Balthasar diz que os santos são ” a resposta do alto para as questões de baixo.” Muitas das questões neste período da história que vivenciamos são questões que se colocavam outrossim ao Pe. Kentenich, que vivia com ” a mão no pulso do tempo e com o ouvido no coração de Deus”. A muitas questões deu resposta com a sua própria vida, por que deixou Deus atuar nele, e Maria Santíssima educou-o a partir do Santuário. Temos mister de santos contemporâneos com quem podemos identificar-nos, porque são parte do mundo concreto a que pertencemos. O progresso tecnológico, as maravilhas da Ciência, o Concílio Vaticano II, a Declaração dos Direitos Humanos são luzes do século XX, misturados com sombras extremamente sombrias: com a orfandade moderna, campos de concentração, duas guerras mundiais, secularização crescente, desigualdade entre os povos… Este cenário da biografia do Pe. Kentenich nos não é alheio. Neste cenário desenvolve-se a vida da Igreja de nossos dias. Aqui se encontram os desafios feitos à fé. O processo de beatificação e de canonização do Pe. Kentenich ratifica a validade do caminho que ele trilhou e o oferece publicamente à Igreja Católica.

Como se pode contribuir para o bom êxito do processo?

Um contributo decisivo é a oração. O processo de beatificação e de canonização tem de ser pedido como dádiva. Mais concretamente: tem-se de pedir a graça do encerramento da fase diocesana e a graça de um milagre por intercessão do Pe. Kentenich.

Outrossim não se pode olvidar a resposta de João Paulo II dada aos jovens suíços que lhe pediam a canonização do Pe. Kentenich: ” Canonizai-o vós mesmos!” O reconhecimento oficial mediante a Igreja será um acontecimento histórico. Porém, não se pode pensar que com isto operará automaticamente a recepçãoa da pessoa e a mensagem do Pe. Kentenich na vida concreta dos cristãos. Isto depende sobretudo do testemunho e do anúncio daquilo que nos é do conhecimento como discípulos seus. E eis as palavras proferidas por João Paulo II, por ocasião do ano comemorativo do centenário do nascimento do Pe. Kentenich: “Sois chamados a participar da graça que o vosso Fundador recebeu e oferecê-la a toda a Igreja. Pois o carisma prova-se como uma experiência que foi entregue aos próprios discípulos, a fim de que estes depois vivam, o protejam, aprofundem e continuem a desenvolvê-la constantemente em comunhão e para o bem de toda a Igreja, que ela mesma vive e cresce a partir da fidelidade sempre nova para como seu divino Fundador.”

4 de fevereiro de 2010
P. Angel Lorenzo Strada
Postulador

Tradução: Abadia da Ressurreição, Ponta Grossa, PR, Brasil

 

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