Posted On 2015-10-04 In Vida em Aliança

O Caminho de Santiago made by Giurcap: 28 de Julho – 5 de Agosto de 2015

ITÁLIA, Thea Serpi •

No aeroporto de Fiumicino, uma tensão efervescente espalha-se no ar da madrugada quando, já estamos prontos (ou talvez não) para a aventura tão esperada e, antecipadamente, saboreada.

Por trás das preocupações dominantes com os sapatos mais adequados, o peso da mochila, a comida ao longo da estrada, a limpeza das pensões, esconde-se uma euforia que brota do mais profundo do coração, pela expectativa mais excitante: encontrar, no fim do Caminho, as respostas às nossas interrogações mais angustiantes. Esta, para cada um de nós, era a meta, Santiago de Compostela.

Passou uma semana e, já estamos de volta. Roma acolhe-nos em pleno calor húmido do verão, que, violentamente, nos traz de volta à realidade que, por vezes, nos corta a respiração.

É o tempo de percorrer com a memória e, de tornar a percorrer a experiência vivida, de reter as imagens e guardar os ensinamentos aprendidos.

Um vazio que é liberdade, retirado da quotidianidade

Um grupo de 28 jovens, quem mais jovem, quem mais ajuizado, quem mais experiente, quem mais silencioso, quem mais cansado.

Estivemos unidos e partilhámos tanto, tudo direi eu mas, agora, cada um de nós está a fazer o balanço consigo próprio, a dar um sentido pessoal a estes quilómetros percorridos, como, normalmente, se faz quando, um parêntesis temporal se fecha quando, um acontecimento nos toca, em suma quando, se valoriza a experiência da vida.

Para condensar uma experiência numa mensagem, como nos ensina o Pe. Alfredo, deve recorrer-se à metáfora e, é desta maneira, de facto que, me é mais fácil enfocar tudo o que aconteceu, neste tempo tão denso de espiritualidade, de contacto com a natureza e com a minha humanidade.

Basta-me um pequeno momento para me dar conta dos efeitos benéficos da peregrinação no meu corpo e, no meu espírito. Não posso negar que, para mim, esta semana, foi umas férias, porque, este é o significado verdadeiro da palavra: do latim vacans, vazio[1]. Um vazio que é liberdade, retirado da quotidianidade e, de tudo o que preenche os dias durante o ano, nos quais nos perdemos e, já não nos reconhecemos.

Ultreya, Suseya! Deus adiuva nos!

Mas, o que distinguia estas férias das outras férias estivais dos anos passados? Uma pergunta que eu fazia a mim própria, enquanto, caminhava no asfalto, entra as vinhas e campos de milho que desfilavam pela estrada sob o meu olhar contemplativo, dia após dia. A resposta surgiu por si mesma num momento de silêncio e de fadiga quando, apenas, ouvia o som cadenciado dos meus passos e os outros “compañeros”[2] iam um pouco à frente, cantando e gracejando.

Atravessava espaços e, deixava para trás o tempo, dias, aparentemente, sempre iguais, enfrentados com método, levantando-se cedo, fazendo reabastecimento de comida, descansando e, lavando os poucos trapos à disposição. Devagarinho, estava a andar para a frente e, a meta física, Santiago, estava, cada vez mais perto. Não estava descendo e subindo um monte, como durante uma excursão à montanha. Estava a andar sempre para a frente, sem voltar ao ponto de partida, sem nunca olhar para trás. Sabia, sem demasiada angústia que, cedo ou tarde chegaria.

Ultreya, Suseya! Deus adiuva nos! Repetíamos todas as manhãs ao alvorecer. Tudo isto me infundia serenidade e coragem, para pôr um passo atrás do outro, ainda quando a fadiga espreitava ou me sentia mais só.

A peregrinação

E, eis que, as férias – estas férias – assumiam os contornos de uma lindíssima metáfora. O caminho, ou melhor, a peregrinação e, tudo o que durante ela acontecia, não era, senão, a parábola da vida.

Graças ao retiro, à liberdade destes dias, pude abrandar e observar melhor, como uma espectadora externa, o desenrolar incessante desta vida. Era, ao mesmo tempo, leitora e protagonista desta história.

Caminhar, balancear as forças físicas, partilhar com os outros nervosismos e risadas, deixar-se ajudar, pedir ajuda e oferecer a própria presença, não é, nem mais nem menos, do que a essência da nossa existência quotidiana.

Passaram, apenas, alguns dias desde que se concluiu este parêntesis metafórico, no entanto, aquela energia positiva que tinha acumulado e absorvido, desejando com as melhores intenções que, nunca se dissipasse, parece ter-me abandonado. É demasiado ingénuo pensar que, aquelas breves férias, vividas numa outra dimensão, pudessem assemelhar-se à vida pobre e repetitiva de todos os dias. Talvez a minha vontade de atribuir um sentido ao caminho fosse, apenas, um exercício poético.

É, assim, que a melancolia se insinua no meu coração, dum momento para o outro, vence o abandono e, já não sei qual é a meta.

As imagens de todos os momentos de oração pessoal e coletiva que marcaram o ritmo da nossa peregrinação

De qualquer modo, transcorreu outra semana e, já é Domingo, e é a hora da Missa. Entrando na igreja com passo fleumático, de repente, sinto um calor espalhando-se, com energia do interior para a periferia do meu corpo. Não posso olhar, mas em que momento acho que me senti comovida, como acontece quando ainda nos maravilhamos com alguns pequenos milagres diários.

Enquanto o sacerdote celebra e, pede aos fiéis que pronunciem em voz alta a oração do Pai Nosso, sinto-me mais forte e, regressam vivas à mente as imagens de todos os momentos de oração pessoal e colectiva que marcaram o ritmo da nossa peregrinação.

O recolhimento matutino na obscuridade, a distribuição dos papéis contendo as intenções de quem se tinha confiado a nós, o Terço rezado em voz alta nas estradas das povoações desertas, a Missa diária organizada pelo Pe. Alfredo e pelo Pe. Jesus em qualquer lugar onde nos pudéssemos juntar todos, os cânticos espanhóis e a guitarra doce dos “misioneros”[3].

Foi uma intuição

Percebi finalmente que o positivismo e a serenidade que me tinham dominado nos dias do Caminho não eram, outra coisa senão, a manifestação da minha Fé, alimentada pelo poder da oração. Já, durante a peregrinação me tinha maravilhado, a despeito das minhas considerações iniciais, como, de modo nenhum, pudesse ser um peso aquele rezar diário e ritmado mas, só quando regressei, uma vez mais à presença de Jesus me dei conta que, a fonte da minha serenidade tinha sido a Sua estreita proximidade e a Sua presença no meio de nós.

No fim de contas, acredito que, para todos os peregrinos que se viram para S. Tiago ou para S. Pedro, para além das respostas que procuram para as dores terrenas e para os cansaços enfrentados para suportar o peso da sua mochila (ou da sua cruz…perdoai outra metáfora!) a purificação da sua alma, aquela necessidade de leveza e segurança, passa através da oração, o agradecimento e a consciência de que Deus caminha connosco.

Fonte: Giurcap – Cappellania di Giurisprudenza – Roma Tre www.facebook.com/giurcap.roma3?ref=hl

www.sspatroni.org

[1] Só tem sentido nas línguas em que esta palavra tem esta raiz latina: vacanza, vacation, vacances, vacaciones…
[2] companheiros
[3] missionários

Original: italiano. Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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