Posted On 2017-01-31 In Comunicação, Francisco - Mensagem

Comunicar esperança e confiança nos nossos tempos

FRANCISCO EM ROMA, Maria Fischer •

Na sexta-feira, à mesma hora que Donald Trump jurava o seu cargo em Washington, o Papa Francisco concedia, no Vaticano, uma longa entrevista ao jornal espanhol EL PAÍS, na qual pedia prudência face aos alarmes desencadeados pelo novo presidente dos Estados Unidos – “é preciso ver o que é que ele vai fazer, não podemos ser profetas de calamidades” – ainda que, avisava, “em momentos de crise, o discernimento não funciona” e os povos procuram “salvadores” que lhes devolvam a identidade “com muros e arame-farpado” (ler a entrevista integral aqui – em portugues) :”O perigo em tempos de crise é procurar um salvador que nos devolva a identidade e nos defenda com muros”. Refere-se a Donald Trump, pois fizeram-lhe perguntas sobre ele. Mas, o Papa Francisco não fala só de Trump. Fala desta reacção – entre povo e governantes – de muitos que, em tempos de crise, antes do perigo real ou imaginado da perca de identidade (ou poder, influência, importância, controlo, autocracia ou controlo político, religioso, ideológico…), culpam os outros e, em vez de procurar o encontro, o diálogo e a aliança, constroem muros e procuram o “herói” que os salve de todo o mal e de todos os males, sejam estes males, refugiados ou imigrantes, pobres, idosos, mulheres, muçulmanos, cristãos ou judeus, africanos, mexicanos ou ciganos… Não é algo que aconteça, apenas, no mundo político, acontece na Igreja, acontece nas Comunidades e Movimentos e, conduz, sempre, a um encerro que, em primeiro lugar complica a vida aos “outros” excluídos e, no fim, empobrece e adoece os que se protegem com muros e se põem aos pés dos “salvadores”.

O papel dos meios de comunicação, nestes tempos, é crucial. São sempre os primeiros a ser atacados pelos “constructores de muros” e pelos “salvadores”, são sempre quem, estes querem controlar e/ou fazer seus porta-vozes. Muitas vezes conseguem-no.

Ao mesmo tempo, os media ou, melhor dizendo, as pessoas que se dedicam a produzir notícias, podem ser protagonistas de medos e de muros…ou mensageiros de esperança e de confiança, nestes tempos de crise, nos tempos de guerra – no nosso tempo, como diz o Papa Francisco na sua mensagem para a 51ª Jornada Mundial das Comunicações, publicada em 24 de Janeiro, na Festa de S. Francisco de Sales, Padroeiro da imprensa católica.

A comunicação é divina

No ano de 1916, em plena Guerra Mundial, o Pe. José Kentenich converteu-se em jornalista, fez-se comunicador, pois sentiu a necessidade de oferecer um vínculo de confiança e de esperança aos seus filhos espirituais em saída. A revista que fundou teve como título um programa desafiador: Inspirações mútuas para a luta pelos nossos ideais em tempos difíceis.

Nos nossos tempos. Boas notícias, expressas em histórias reais de vida; reais, para que a realidade não desmascare o relato. Histórias porque chegam e ficam e, porque somos seres narrativos e formamos identidade através das histórias transmitidas de geração em geração. Mas, a razão última que nos deve motivar, dia-a-dia, no nosso trabalho de comunicação é outra. Diz-nos Francisco:

“A comunicação é divina. Deus comunica-Se. Deus comunicou-Se connosco através da História. Deus não ficou isolado. É um Deus que Se comunica e, nos falou e nos acompanhou e nos desafiou e nos fez mudar de rota e nos continua a acompanhar. Não se pode compreender a teologia católica sem a comunicação de Deus. Deus não é estático e fica parado a ver como os Homens se divertem ou como se destroem. Deus envolve-Se e envolveu-Se, comunicando-Se com a Palavra e com a Sua carne. Ou seja, eu parto daí.” (Fonte: “O perigo em tempos de crise é buscar um salvador que nos devolva a identidade e nos defenda com muros”

Nós também, Papa Francisco.

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
PARA O 51ª DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS

 

Tema: «Não tenhas medo, que Eu estou contigo” (Is 43, 5).
Comunicar esperança e confiança, no nosso tempo»

[28 de maio de 2017]

 

Graças ao progresso tecnológico, o acesso aos meios de comunicação possibilita a muitas pessoas ter conhecimento quase instantâneo das notícias e divulgá-las de forma capilar. Estas notícias podem ser boas ou más, verdadeiras ou falsas. Já os nossos antigos pais na fé comparavam a mente humana à mó da azenha que, movida pela água, não se pode parar. Mas o moleiro encarregado da azenha tem possibilidades de decidir se quer moer, nela, trigo ou joio. A mente do homem está sempre em ação e não pode parar de «moer» o que recebe, mas cabe a nós decidir o material que lhe fornecemos (cf. Cassiano o Romano, Carta a Leôncio Igumeno).

Gostaria que esta mensagem pudesse chegar como um encorajamento a todos aqueles que diariamente, seja no âmbito profissional seja nas relações pessoais, «moem» tantas informações para oferecer um pão fragrante e bom a quantos se alimentam dos frutos da sua comunicação. A todos quero exortar a uma comunicação construtiva, que, rejeitando os preconceitos contra o outro, promova uma cultura do encontro por meio da qual se possa aprender a olhar, com convicta confiança, a realidade.

Creio que há necessidade de romper o círculo vicioso da angústia e deter a espiral do medo, resultante do hábito de se fixar a atenção nas «notícias más» (guerras, terrorismo, escândalos e todo o tipo de falimento nas vicissitudes humanas). Não se trata, naturalmente, de promover desinformação onde seja ignorado o drama do sofrimento, nem de cair num otimismo ingénuo que não se deixe tocar pelo escândalo do mal. Antes, pelo contrário, queria que todos procurássemos ultrapassar aquele sentimento de mau-humor e resignação que muitas vezes se apodera de nós, lançando-nos na apatia, gerando medos ou a impressão de não ser possível pôr limites ao mal. Aliás, num sistema comunicador onde vigora a lógica de que uma notícia boa não desperta a atenção, e por conseguinte não é uma notícia, e onde o drama do sofrimento e o mistério do mal facilmente são elevados a espetáculo, podemos ser tentados a anestesiar a consciência ou cair no desespero.

Gostaria, pois, de dar a minha contribuição para a busca dum estilo comunicador aberto e criativo, que não se prontifique a conceder papel de protagonista ao mal, mas procure evidenciar as possíveis soluções, inspirando uma abordagem propositiva e responsável nas pessoas a quem se comunica a notícia. A todos queria convidar a oferecer aos homens e mulheres do nosso tempo relatos permeados pela lógica da «boa notícia».

A boa notícia

A vida do homem não se reduz a uma crónica asséptica de eventos, mas é história, e uma história à espera de ser contada através da escolha duma chave interpretativa capaz de selecionar e reunir os dados mais importantes. Em si mesma, a realidade não tem um significado unívoco. Tudo depende do olhar com que a enxergamos, dos «óculos» que decidimos pôr para a ver: mudando as lentes, também a realidade aparece diversa. Então, qual poderia ser o ponto de partida bom para ler a realidade com os «óculos» certos?

Para nós, cristãos, os óculos adequados para decifrar a realidade só podem ser os da boa notícia: partir da Boa Notícia por excelência, ou seja, o «Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus» (Mc 1, 1). É com estas palavras que o evangelista Marcos começa a sua narração: com o anúncio da «boa notícia», que tem a ver com Jesus; mas, mais do que uma informação sobre Jesus, a boa notícia é o próprio Jesus. Com efeito, ao ler as páginas do Evangelho, descobre-se que o título da obra corresponde ao seu conteúdo e, principalmente, que este conteúdo é a própria pessoa de Jesus.

Esta boa notícia, que é o próprio Jesus, não se diz boa porque nela não se encontra sofrimento, mas porque o próprio sofrimento é vivido num quadro mais amplo, como parte integrante do seu amor ao Pai e à humanidade. Em Cristo, Deus fez-Se solidário com toda a situação humana, revelando-nos que não estamos sozinhos, porque temos um Pai que nunca pode esquecer os seus filhos. «Não tenhas medo, que Eu estou contigo» (Is 43, 5): é a palavra consoladora de um Deus desde sempre envolvido na história do seu povo. No seu Filho amado, esta promessa de Deus – «Eu estou contigo» – assume toda a nossa fraqueza, chegando ao ponto de sofrer a nossa morte. N’Ele, as próprias trevas e a morte tornam-se lugar de comunhão com a Luz e a Vida. Nasce, assim, uma esperança acessível a todos, precisamente no lugar onde a vida conhece a amargura do falimento. Trata-se duma esperança que não dececiona, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações (cf. Rm 5, 5) e faz germinar a vida nova, como a planta cresce da semente caída na terra. Visto sob esta luz, qualquer novo drama que aconteça na história do mundo torna-se cenário possível também duma boa notícia, uma vez que o amor consegue sempre encontrar o caminho da proximidade e suscitar corações capazes de se comover, rostos capazes de não se abater, mãos prontas a construir.

A confiança na semente do Reino

Para introduzir os seus discípulos e as multidões nesta mentalidade evangélica e entregar-lhes os «óculos» adequados para se aproximar da lógica do amor que morre e ressuscita, Jesus recorria às parábolas, nas quais muitas vezes se compara o Reino de Deus com a semente, cuja força vital irrompe precisamente quando morre na terra (cf. Mc 4, 1-34). O recurso a imagens e metáforas para comunicar a força humilde do Reino não é um modo de reduzir a sua importância e urgência, mas a forma misericordiosa que deixa, ao ouvinte, o «espaço» de liberdade para a acolher e aplicar também a si mesmo. Além disso, é o caminho privilegiado para expressar a dignidade imensa do mistério pascal, deixando que sejam as imagens – mais do que os conceitos – a comunicar a beleza paradoxal da vida nova em Cristo, onde as hostilidades e a cruz não anulam, mas realizam a salvação de Deus, onde a fraqueza é mais forte do que qualquer poder humano, onde o falimento pode ser o prelúdio da maior realização de tudo no amor. Na verdade, é precisamente assim que amadurece e se entranha a esperança do Reino de Deus, ou seja, «como um homem que lançou a semente à terra. Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce» (Mc 4, 26-27).

O Reino de Deus já está no meio de nós, como uma semente escondida a um olhar superficial e cujo crescimento acontece no silêncio. Mas quem tem olhos, tornados limpos pelo Espírito Santo, consegue vê-lo germinar e não se deixa roubar a alegria do Reino por causa do joio sempre presente.

Os horizontes do Espírito

A esperança fundada na boa notícia que é Jesus faz-nos erguer os olhos e impele-nos a contemplá-Lo no quadro litúrgico da Festa da Ascensão. Aparentemente o Senhor afasta-Se de nós, quando na realidade são os horizontes da esperança que se alargam. Pois em Cristo, que eleva a nossa humanidade até ao Céu, cada homem e cada mulher consegue ter «plena liberdade para a entrada no santuário por meio do sangue de Jesus. Ele abriu para nós um caminho novo e vivo através do véu, isto é, da sua humanidade» (Heb 10, 19-20). Através «da força do Espírito Santo»,podemos ser «testemunhas»e comunicadores duma humanidade nova, redimida, «até aos confins da terra»(cf. At 1, 7-8).

A confiança na semente do Reino de Deus e na lógica da Páscoa não pode deixar de moldar também o nosso modo de comunicar. Tal confiança que nos torna capazes de atuar – nas mais variadas formas em que acontece hoje a comunicação – com a persuasão de que é possível enxergar e iluminar a boa notícia presente na realidade de cada história e no rosto de cada pessoa.

Quem, com fé, se deixa guiar pelo Espírito Santo, torna-se capaz de discernir em cada evento o que acontece entre Deus e a humanidade, reconhecendo como Ele mesmo, no cenário dramático deste mundo, esteja compondo a trama duma história de salvação. O fio, com que se tece esta história sagrada, é a esperança, e o seu tecedor só pode ser o Espírito Consolador. A esperança é a mais humilde das virtudes, porque permanece escondida nas pregas da vida, mas é semelhante ao fermento que faz levedar toda a massa. Alimentamo-la lendo sem cessar a Boa Notícia, aquele Evangelho que foi «reimpresso» em tantas edições nas vidas dos Santos, homens e mulheres que se tornaram ícones do amor de Deus. Também hoje é o Espírito que semeia em nós o desejo do Reino, através de muitos «canais» vivos, através das pessoas que se deixam conduzir pela Boa Notícia no meio do drama da história, tornando-se como que faróis na escuridão deste mundo, que iluminam a rota e abrem novas sendas de confiança e esperança.

Vaticano, 24 de janeiro – Memória de São Francisco de Sales – do ano de 2017.

Franciscus

Fontes: EL PAÍS e vatican.va

Original: espanhol. Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

 

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