Posted On 2015-06-30 In Francisco - Mensagem

Mas sabemos o que é uma ferida da alma?

FRANCISCO EM ROMA •

O Papa Francisco prosseguiu as suas reflexões sobre a família e a vida real, ocupando-se, nesta ocasião, das feridas que se produzem na própria convivência familiar. “Francisco amamos-te”, é um dos gritos mais repetidos na abarrotada Praça de S. Pedro, na Audiência das quartas-feiras, depois da bem-sucedida visita do Papa a Turim. Bergoglio centra a sua catequese nas feridas que, provocam nos filhos, as separações dos pais. “A alma das crianças sofre até ao desespero”, assegura o Papa. Depois da apresentação do “Instrumentum Laboris”, o virtual itinerário para o debate que, à volta de 300 Bispos de todo o mundo terão no Sínodo sobre a família, em Outubro próximo, o Papa falou no dia anterior, pessoalmente, sobre vários temas cruciais. Dedicou a Audiência Geral às “feridas” que muitas vezes existem no seio das famílias e, falou na espinhosa questão dos divorciados que voltam a casar.

A família e a vida real: Feridas

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Nas últimas catequeses falámos da família que vive as fragilidades da condição humana, a pobreza, a doença, a morte. Ao contrário, hoje reflectimos sobre as feridas que se abrem precisamente no seio da convivência familiar. Ou seja, quando na própria família nos magoamos reciprocamente. O aspecto mais negativo!

Sabemos bem que em nenhuma história familiar faltam momentos em que a intimidade dos afectos mais queridos é ofendida pelo comportamento dos seus membros. Palavras e acções (e omissões!) que, em vez de exprimir amor, o subtraem ou, pior ainda, o mortificam. Quando estas feridas, ainda remediáveis, são descuidadas, agravam-se: transformam-se em prepotência, hostilidade, desprezo. E a este ponto podem tornar-se lacerações profundas, que separam marido e esposa, que induzem a procurar alhures entendimentos, apoio e consolação. Mas frequentemente estes «apoios» não pensam no bem da família!

O esvaziamento do amor conjugal difunde ressentimento nas relações. E muitas vezes a desunião «desaba» sobre os filhos.

Então, os filhos. Gostaria de analisar um pouco este ponto. Não obstante a nossa sensibilidade aparentemente evoluída, e todas as nossas requintadas análises psicológicas, pergunto-me se não nos entorpecemos também em relação às feridas da alma das crianças. Quanto mais se procura compensar com presentes e docinhos, tanto mais se perde o sentido das feridas — mais dolorosas e profundas — da alma. Falamos muito sobre distúrbios de comportamento, saúde psíquica, bem-estar da criança, ansiedade dos pais e dos filhos… Mas sabemos porventura o que é uma ferida da alma? Sentimos o peso da montanha que esmaga a alma de uma criança, nas famílias onde as pessoas se magoam reciprocamente e causam mal umas às outras, até quebrar o vínculo da fidelidade conjugal? Que peso tem nas nossas escolhas — escolhas erradas, por exemplo — quanta importância tem a alma das crianças? Quando os adultos perdem o raciocínio, quando cada um só pensa em si mesmo, quando o pai e a mãe se ferem, a alma das crianças sofre muito, prova um sentido de desespero. E são feridas que deixam a marca para toda a vida.

Na família, tudo está interligado: quando a sua alma está ferida em qualquer ponto, a infecção contagia todos. E quando um homem e uma mulher, que se comprometeram a ser «uma só carne» e a formar uma família, pensam obsessivamente nas próprias exigências de liberdade e de gratificação, este desvio corrói profundamente o coração e a vida dos filhos. Muitas vezes as crianças escondem-se para chorar sozinhas… Devemos compreender bem isto. Marido e esposa são uma só carne. Mas as suas criaturas são carne da sua carne. Se pensarmos na severidade com a qual Jesus admoesta os adultos para que não escandalizassem os pequeninos — ouvimos o trecho do Evangelho — (cf. Mt 18, 6), podemos compreender melhor também a palavra sobre a grande responsabilidade de preservar o vínculo conjugal que dá início à família humana (cf. Mt 19, 6-9). Quando o homem e a mulher se tornam uma só carne, todas as feridas e todos os abandonos do pai e da mãe incidem sobre a carne viva dos filhos.

Por outro lado, é verdade que há casos em que a separação é inevitável. Por vezes, pode tornar-se até moralmente necessária, quando se trata de defender o cônjuge mais frágil, ou os filhos pequenos, das feridas mais graves causadas pela prepotência e a violência, pela humilhação e a exploração, pela alienação e a indiferença.

Graças a Deus não faltam aqueles que, apoiados pela fé e pelo amor aos filhos, testemunham a sua fidelidade e um vínculo no qual acreditaram, embora pareça impossível fazê-lo reviver. Contudo, nem todos os separados sentem esta vocação. Nem todos reconhecem, na solidão, um apelo que o lhes Senhor dirige. Ao nosso redor encontramos diversas famílias em situações chamadas irregulares — eu não gosto desta palavra — e colocamo-nos muitas interrogações. Como podemos ajudá-las? Como podemos acompanhá-las? Como podemos acompanhá-las para que as crianças não se tornem reféns do pai ou da mãe?

Peçamos ao Senhor uma fé grande, a fim de ver a realidade com o olhar de Deus; e uma grande caridade, para aproximar as pessoas ao seu Coração misericordioso.

Original: italiano. Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

 

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