Posted On 2016-12-04 In Dilexit ecclesiam, Schoenstatteanos

Ser pastor em Araucanía

CHILE, Fernanda Faúndez Cabrera

Na Igreja, a situação do povo Mapuche tem sido uma preocupação permanente, procurando sempre canais de diálogo que tornem possível uma convivência em paz, valorizando e integrando a riqueza cultural deste e de outros povos originários que habitam e pertencem à nossa pátria. O caminho do entendimento, da integração e da paz é longo, tem que haver abertura de mente e generosidade de coração. Neste tempo de misericórdia, é tarefa de todos.

Assim o entendeu o nosso Bispo Manuel Camilo Vial  (Padre de Schoenstatt) durante os anos que foi Bispo de Temuco (2001 – 2013). Dedicou-lhe uma especial atenção pastoral na sua tarefa como como pastor. Foi por isso que o quisemos entrevistar, para que as suas palavras nos ajudem no discernimento de um sinal de Deus muito importante para o Chile.

Depois de viver mais de 10 anos na cidade de Temuco, como foi a sua vivência e trabalho com as comunidades Mapuches?

– Tenho conhecimento desde pequeno, através de Lobatos: trabalho do meu pai. Em 1967 fui nomeado pároco do Perpetuo Socorro, e fiz parte da equipa pastoral do bispo, a pastoral com o Povo Mapuche. Em 2001, o Papa São João Paulo II nomeia-me bispo titular de Temuco, cargo que exerço até 8 de julho de 2013.

Que atividades pastorais realiza a diocese San José de Temuco com os indígenas da zona?

– Desde logo não se fazem distinções, os mapuches estão em todas as comunidades e paróquias e há um grande respeito e compreensão, mas há que reconhecer que não há suficiente conhecimento da sua cultura, suas tradições e sua filosofia de vida. Respeita-se a tradição religiosa; há um número grande de católicos, evangélicos e outros.

Em 1962 cria-se a Fundação Instituto Indígena, por Monsenhor Bernardino Piñera, bispo de Temuco e Monsenhor Guillermo Hartl, bispo do Vicariato da Araucanía, com a missão de acompanhar as pessoas, famílias e comunidades do Povo Mapuche. A Fundação teve um papel importante em todas as dioceses do sul onde existem comunidades mapuches. A sua participação  está vigente nos nossos dias, nas distintas temáticas que se vivem na Região.

Foi muito importante o que se realizou na educação e na formação social dos dirigentes do Povo Mapuche e na defesa dos direitos sociais e humanos dos mapuches. Menção especial merece recordar o papel que tiveram os “Centros culturais” de finais dos anos 70. Monsenhor Contreras falou do reconhecimento dos Mapuches como um Povo.

É uma cultura distinta, com crenças e identidade própria, como é que a Igreja toma parte dos seus rituais e tradições?

– É muito importante ter em conta que é uma cultura diferente, se se quer dialogar e entender a forma de atuar e de pensar deste povo, talvez, a tarefa mais importante que temos que abordar para assim, poder resolver os problemas existentes.

Quanto à nossa participação, atualmente é de respeito. Participei como convidado em algumas cerimónias. Pela nossa parte, em concreto na celebração da Eucaristia, incorporamos o rito de purificação ou do perdão que costumam fazer, incorporação das bênçãos e petições, participação no “We tripantu” (celebração do ano novo mapuche).

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Conflito Mapuche

A zona da Araucanía vive o conhecido “conflito mapuche”. Como enfrentou os tempos de dificuldade?

Creio que não é bom usar o termo “conflito mapuche”. Creio que à partida há que fazer uma distinção: uma coisa é o tema mapuche e outra coisa são os conflitos, que ao longo da história foram surgindo e que dificultam abordar bem o tema.

Pessoalmente, acredito que o problema fundamental é que a maioria, no país, não entendeu o peso suficiente deste tema. Não conhecemos o Povo Mapuche, nem a sua cultura, seus costumes, filosofia de vida e suas tradições. Este Povo tem a sua própria identidade. Sabemos muito pouco da sua história, desde a chegada dos espanhóis, e o que aconteceu até aos nossos dias, que inclui momentos muito dramáticos, muito duros que deixaram marcas muito profundas: violências, mortes, humilhações, usurpações, roubos de terras, marginalização, abandono e pobreza, etc. E da parte dos “winkas” (estrangeiros), que os consideram moles, ladrões, bêbados e outras considerações injustas na maioria dos casos. Por isso, são muito importantes os esforços que se fizeram esporadicamente, mas que não foram mantidos para abordar e solucionar os problemas.

Muito importante foi o trabalho realizado pela Comissão de Verdade Histórica, dirigida pelo ex presidente da República Patricio Aylwin A., que insistiu na necessidade de um novo trato com os povos indígenas, a partir de uma muito séria investigação sobre esta temática.

Pessoalmente participei no que denominamos o Plano Araucanía, onde estavam representados distintos sectores presentes na zona, como as Universidades, as igrejas de todas as denominações, representantes do Povo Mapuche, autoridades regionais, do mundo da empresa, os agricultores, trabalhadores e trabalhadoras representados pelas suas organizações e outros. O referido Plano foi entregue à Presidente Bachelet numa sessão solene em 5 de novembro de 2009, mas não foi assumido.

Posteriormente ao Plano Araucanía, existiram  apresentações importantes como as dos Senadores Espina e García e a do ex Intendente Francisco Huenchumilla. Atualmente, existe a comissão de governo dirigida pelo bispo de Temuco, Monsenhor Héctor Vargas.

Qual é a postura da Igreja frente ao problema?

– Sem dúvida, foi muito importante o trabalho da Igreja em Araucanía, desde a chegada dos  espanhóis. Muitos missionários trouxeram o Evangelho de Jesus a estas terras, destacando especialmente o trabalho dos Capuchinhos alemães, que se congregaram especialmente no Vicariato de Araucanía.

As diretrizes desta evangelização são encontradas no Evangelho de Jesus; nos ensinamentos da Igreja de todos os tempos, no Concilio Vaticano II; na América Latina, Medellín, Puebla, Aparecida e nas Mensagens dos Pastores.

E no Chile, em dezembro de 1916, realiza-se o Congresso Araucanista, convocado pelo Arcebispo Juan Ignacio González, convidando todos os bispos da arquidiocese e as suas Igrejas particulares a aprofundar o conhecimento nos “araucanos”.

Em 1979, como eco do Magistério pós conciliar, os bispos de Concepción, Los Ángeles, Temuco, Araucanía Valdivia e Osorno, e o episcopado chileno, dão a conhecer a Carta Pastoral: “Pela Evangelização do Povo Mapuche”.

Em 1987, o Papa São João Paulo II realiza a sua visita ao Chile, que nos deixa uma maravilhosa reflexão ao  abordar o tema dos Povos Originários existentes no Chile, que na minha opinião  foi o melhor que se escreveu sobre este tema.

Quando foi bispo da zona, existiram conversações com as autoridades do Governo? O que nos pode contar dessas intervenções?

– Houve sempre, com o governo nacional e local. Promoção de um diálogo; a preparação do Plano Araucanía, o trabalho com a Universidade; diálogo com todos os sectores. Muito boa relação com o Povo Mapuche e a sua causa.

Qual é a nossa missão como Igreja frente ao conflito que vive a Araucanía?

– Nas palavras do Santo Padre João Paulo II há muita sabedoria. O Papa Francisco permanentemente fala-nos do“acolhimento”, “saber ver” e “escutar”. Creio que é o que devemos fazer: acompanhar este povo, respeitá-lo e anunciar-lhes o Evangelho de Jesus com o nosso exemplo de caridade, misericórdia e de serviço.

Ao deixar a diocese, as comunidades fizeram-lhe uma despedida, como a recorda e que tarefas tem por diante?

– Foi realmente emocionante. Tive várias despedidas, mas a principal foi em Ayinrehue, lugar onde se encontra o Santuário de Schoenstatt e onde os Mapuches sempre foram bem acolhidos.

Quando com o P. Horacio Rivas e as Irmãs de Maria quisemos dar um nome ao lugar do Santuário, pensámos sempre que fosse em mapudungun (idioma dos mapuches), e uma  palavra, o mais próximo à palavra que era o lugar do Santuário: Bellavista. Falou-se com  especialistas do idioma até que chegámos ao nome AYINREHUE, que  traduzido, mais ou menos quer dizer “lugar belo, lugar santo, digno de ser amado”.

A despedida foi muito bonita, como se faz na cultura mapuche, com orações, petições, plantou-se um Rehue (vários ramos amarrados na esperança de que pelo menos um possa crescer). Partilhámos comida mapuche e deram-me muitos presentes: uma manta de Lonko, ervas secas para dores, etc. Muito carinho, expresso de distintas maneiras.

Devo recordar que entre as homenagens, nove comunidades nomearam-me de “Lonko” (Cacique ou chefe) delas, nomeação que se faz pocas vezes.

Um Chile melhor

Há uma grande responsabilidade –como país– para avançar nestes temas. No Ano da Misericórdia, que convite nos faz, para conseguir mais unidade?

– Penso que o que estamos viver foi que nos materializámos em excesso, afastámo-nos muito de Deus. Nós, os cristãos, já não vivemos inspirados pelo testemunho de Jesus e do seu Evangelho. Isto levou-nos a não ter a força espiritual para dar à nossa Igreja a vitalidade para que possam ser dados à sociedade esses valores cristãos, que permitiriam aos homens de toada a raça e lugares, viver felizes partilhando os dons que Deus nos deu para viver dignamente como seus filhos. Pensemos, por exemplo, em todo o contributo que Schoenstatt poderia dar, ao partilhar a riqueza da Aliança de Amor. A devoção a Nossa Senhora está muito enraizada no povo chileno.

Creio que os seus direitos incluem a possibilidade de manejar e controlar os recursos naturais, o subsolo, a água, participação indígena, consultas dos temas, poder decidir sobre os planos de desenvolvimento nas suas terras e a luta por superar a marginalização social e descriminação, a fim de evitar a frustração social e a criação de espirais de violência.

Há uma grande necessidade de que se consolidem as bases democráticas mediante o reconhecimento da diversidade étnica e cultural, gerando um novo tipo de relações que amparem cabalmente a identidade e os direitos dos povos indígenas. Daí, a necessidade do diálogo, a  reflexão, caminhar juntos para criar confiança, para alcançar um entendimento profundo e que perdure.

Repudio total aos atos de violência. Necessidade de diálogo, encontro e respeito, restabelecimento da confiança, deixando de lado a aplicação da força, do ódio e da violência. Urge uma ação política constante e o uso da inteligência. Políticas de governo, Institucionalidade adequada, Subsecretaria ou Ministério de assuntos indígenas. Abordar o tema da dívida  histórica e a dignidade do PovoMapuche. Reconhecimento constitucional dos mapuches como povo.

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Fonte: Revista Vínculo, Chile, novembro de 2016

Original: Espanhol. Tradução: Maria de Lurdes Dias, Lisboa, Portugal

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