Posted On 2015-08-13 In Em Aliança solidária com Francisco, Francisco - Mensagem, Igreja - Francisco - movimentos

Não “observemos” a vida, vamos ao barro… vamos à Santa Missa com Francisco

FRANCISCO EM PARAGUAI, Marité e Ramón Marini / Maria Fischer •

Já se passaram duas semanas desde a multitudinária Eucaristia – quase dois milhões de peregrinos – que celebrou o Papa Francisco em Ñu Guazú, na periferia de Asunción. Relembramos o belíssimo retábulo de milho e cocos com os nomes, as inquietudes e as intenções de milhares de pessoas que as escreveram nos cocos. Relembramos o relato e as fotos de José Argüello, da vigília noturna com o título: Servindo com os pés no barro…

Aqui estamos tratando de assimilar todo o vivido com o Santo Padre. Foi algo extraordinário, maravilhoso. O carinho demonstrado pelo povo paraguaio foi de uma magnitude incrível. O altar onde o Papa Francisco celebrou a Santa Missa de domingo, apareceu na imprensa internacional. Entre tantos ministros da eucaristia, também estivemos Marité e eu.

Rezamos por todos.

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Vamos… Jesus não “observou” a vida

Vivemos momentos inolvidáveis. Com Marité nos inscrevemos para sermos Ministros da Eucaristia na Missa de domingo.

Mas houve tantos comentários desfavoráveis, que (devido à chuva dos dias prévios) o lugar era um imenso lodaçal (e isso era verdade), que não havia banheiros, que era perigoso ir pela enorme quantidade de gente, que havia que caminhar muitíssimo para chegar, que havia que chegar muito cedo, que ia chover…

Dissemos: melhor ficamos em casa e vemos tudo pela TV.

Mas voltando de Tupãrenda (estamos fazendo o projeto para a casa filial dos Padres de Schoenstatt em Tupãrenda) escutamos por rádio as mensagens do Papa preparando sua vinda. Repetiram várias vezes: “Não ‘observem’ a vida, Jesus não ‘observou’ a vida, envolveu-se nela, envolvam-se (participem) na vida!”

Cheguei a casa e disse para Marité: Vamos. E ela aceitou imediatamente.

Fomos… Tivemos que caminhar muito… sair às 5 da manhã de casa (a Santa Missa era às 10, terminou às 12). O dia foi esplêndido, o grupo humano de ministros, maravilhoso, o público com uma devoção inusual, os silêncios eram profundos, os banheiros a poucos metros… e havia barro. Mas ao concluir, a sensação foi bela. Vimos o Papa pelos telões, mas escutá-lo falar é um bálsamo…

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O Papa chegou a nosso barro

“Tudo foi tremendamente emocionante”, relata José Argüello, por Whatsapp, desde Ñu Guazú, e depois pergunta: “Quantas pessoas a imprensa disse que vieram?” Ao escutar o primeiro número difundido – 600.000 – sente-se a desilusão de um jovem, de um voluntário, de um entusiasta, que havia dado tudo em serviço, em vigília, em oração, para que isto fosse uma vivência multitudinária e abençoada para o povo e para o Papa mesmo: “Que pouco…” Uma sensação frequente entre todos os que se esforçam desde o mais profundo de seu coração para oferecer algo precioso para muitos… e que devem entender que por comodidade, por falta de interesse, por falta de tempo, se recusa a oferta (coisa que também conhecemos na equipe de Schoenstatt.org… onde tantas vezes olhamos a quantidade – ou melhor dito, os poucos – quem leram um artigo redigido com tanto compromisso). Segue José: “O lugar era muito incômodo, um lodaçal… durante toda a madrugada houve gente que se retirava…”

“Mas nós permanecemos, porque o Papa chegou a nosso barro”.

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Homilia do Santo Padre em Ñu Guazú, 12 de julho de 2015 (fonte: vatican.va)

«O Senhor dar-nos-á chuva e dará fruto a nossa terra»: assim diz o Salmo (84,13). Com isto, somos convidados a celebrar a misteriosa comunhão entre Deus e o seu Povo, entre Deus e nós. A chuva é sinal da sua presença, na terra trabalhada pelas nossas mãos. Uma comunhão que sempre dá fruto, que sempre dá vida. Esta confiança brota da fé, de saber que contamos com a sua graça que sempre transformará e regará a nossa terra.

Uma confiança que se aprende, que se educa. Uma confiança que se vai gerando no seio duma comunidade, na vida duma família. Uma confiança que se transforma em testemunho no rosto de tantos que nos encorajam a seguir Jesus, a ser discípulos d’Aquele que nunca desilude. O discípulo sente-se convidado a confiar, sente-se convidado por Jesus a ser amigo, a compartilhar a sua sorte, a partilhar a sua vida. «A vós, não vos chamo servos, chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que sabia do meu Pai». Os discípulos são aqueles que aprendem a viver na confiança da amizade de Jesus.

E o Evangelho fala-nos deste discipulado. Apresenta-nos a cédula de identidade do cristão; a sua carta de apresentação, a sua credencial.

Jesus chama os seus discípulos e envia-os, dando-lhes regras claras e precisas. Desafia-os a um conjunto de atitudes, comportamentos que devem ter. Sucede, e não raras vezes, que nos poderão parecer atitudes exageradas ou absurdas; seria mais fácil lê-las simbólica ou «espiritualmente». Mas Jesus é muito claro. Não lhes diz: fazei de conta, ou fazei o que puderdes.

Recordemos juntos estas recomendações: «Não leveis nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem alforje, nem dinheiro (…) Permanecei na casa onde vos derem alojamento». Parece uma coisa impossível.

Poderíamos concentrar-nos em palavras como «pão», «dinheiro», «alforje», «cajado», sandálias», «túnica». E seria lícito. Mas parece-me que há aqui uma palavra-chave, que poderia passar despercebida diante da contundência daquelas que acabo de enumerar. Uma palavra central na espiritualidade cristã, na experiência do discipulado: hospitalidade. Como bom mestre, Jesus envia-os a viver a hospitalidade. Diz-lhes: «Permanecei na casa onde vos derem alojamento». Envia-os a aprender uma das características fundamentais da comunidade crente. Poderíamos dizer que é cristão aquele que aprendeu a hospedar, que aprendeu a alojar.

Jesus não os envia como poderosos, como proprietários, chefes ou carregados de leis, normas. Ao contrário, mostra-lhes que o caminho do cristão é simplesmente transformar o coração. O próprio coração e ajudar a transformar o dos outros. Aprender a viver de forma diferente, com outra lei, sob outra norma. É passar da lógica do egoísmo, do fechamento, da luta, da divisão, da superioridade para a lógica da vida, da gratuidade, do amor. Passar da lógica do dominar, esmagar, manipular para a lógica do acolher, receber, cuidar.

São duas as lógicas que estão em jogo, duas maneiras de enfrentar a vida e de enfrentar a missão.

Quantas vezes concebemos a missão com base em projetos ou programas. Quantas vezes idealizamos a evangelização, pondo de pé milhares de estratégias, tácticas, manobras, truques, procurando que as pessoas se convertam com base nos nossos argumentos. Hoje o Senhor diz-nos muito claramente: na lógica do Evangelho, não se convence com os argumentos, as estratégias, as tácticas, mas simplesmente aprendendo a alojar, a hospedar.

A Igreja é uma mãe de coração aberto que sabe acolher, receber, especialmente a quem precisa de maior cuidado, que está em maior dificuldade. A Igreja, como a queria Jesus, é a casa da hospitalidade. E quanto bem se pode fazer, se nos animarmos a aprender esta linguagem da hospitalidade, esta linguagem de receber, de acolher! Quantas feridas, quanto desespero se pode curar numa casa onde alguém se sente bem-vindo! Para isto, é preciso ter as portas abertas, sobretudo as portas do coração.

Praticar hospitalidade com o faminto, o sedento, o forasteiro, o nu, o enfermo, o encarcerado (cf. Mt 25, 34-37), com o leproso, o paralítico. Hospitalidade com aquele que não pensa como nós, com a pessoa que não têm fé ou a perdeu. E, às vezes, por nossa culpa. Hospitalidade com o perseguido, o desempregado. Hospitalidade com as culturas diferentes, de que esta terra paraguaia é tão rica. Hospitalidade com o pecador, porque cada um de nós também o é.

Muitas vezes esquecemo-nos de que há um mal que precede os nossos pecados, que tem lugar antes. Há uma raiz que causa muito, muito dano e que destrói silenciosamente tantas vidas. Há um mal que, pouco a pouco, vai fazendo ninho no nosso coração e «corroendo» a nossa vitalidade: a solidão. Solidão que pode ter muitas causas, muitos motivos. Como destrói a vida e nos faz tão mal! Vai-nos afastando dos outros, de Deus, da comunidade. Vai-nos encerrando em nós mesmos. Por isso, o que é próprio da Igreja, desta mãe, não é principalmente gerir coisas, projetos, mas aprender a fraternidade com os outros. A fraternidade acolhedora é o melhor testemunho de que Deus é Pai, porque «é por isto que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35).

Desta maneira, Jesus abre-nos a uma lógica nova; a um horizonte cheio de vida, beleza, verdade, plenitude.

Deus nunca fecha horizontes, Deus nunca é passivo face à vida, nunca é passivo face ao sofrimento dos seus filhos. Deus nunca Se deixa vencer em generosidade. Foi para isto que nos enviou seu Filho, no-Lo oferece, entrega, compartilha: para aprendermos o caminho da fraternidade, o caminho do dom. Em definitivo, é um novo horizonte, uma nova palavra para tantas situações de exclusão, desagregação, confinamento, isolamento. É uma palavra que quebra o silêncio da solidão.

E quando estivermos cansados ou se tornar pesada a tarefa de evangelizar, é bom recordar que a vida proposta por Jesus corresponde às necessidades mais profundas das pessoas, porque todos fomos criados para a amizade com Jesus e para o amor fraterno (cf. Evangelii gaudium, 265).

Uma coisa é certa! Não podemos obrigar ninguém a receber-nos, a hospedar-nos; isto é certo e faz parte da nossa pobreza e da nossa liberdade. Mas é certo também que ninguém nos pode obrigar a não sermos acolhedores, hospedeiros da vida do nosso Povo. Ninguém nos pode pedir que não recebamos e abracemos a vida dos nossos irmãos, especialmente a vida daqueles que perderam a esperança e o gosto pela vida. Como é belo imaginar as nossas paróquias, comunidades, capelas, lugares onde estão os cristãos, não com as portas fechadas, mas como verdadeiros centros de encontro tanto entre nós como com Deus. Como lugares de hospitalidade e acolhimento.

A Igreja é mãe, como Maria. N’Ela, temos um modelo. Alojar como Maria, que não dominou nem Se apoderou da Palavra de Deus; pelo contrário, hospedou-A, gerou-A e entregou-A.

Alojar como a terra que não domina a semente, mas que a recebe, nutre e faz germinar.

Assim queremos ser nós, os cristãos, assim queremos viver a fé neste solo paraguaio: como Maria, alojando a vida de Deus em nossos irmãos com a confiança, com a certeza de que «o Senhor nos dará chuva e dará fruto a nossa terra». Que assim seja.

Angelus Domini, 12 de julho de 2015 (fonte vatican.va)

Agradeço ao Arcebispo de Asunción, D. Edmundo Ponziano Valenzuela Mellid e ao Senhor Arcebispo [ortodoxo] da América do Sul, Tarasios, as amáveis palavras.

No final desta celebração, voltamos com confiança o nosso olhar para a Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe. Ela é o presente de Jesus ao seu povo. Deu-no-La como mãe na hora da cruz e do sofrimento. É fruto da entrega de Cristo por nós. E, desde então, sempre esteve e estará com seus filhos, especialmente os mais humildes e necessitados.

Nossa Senhora entrou no tecido da história dos nossos povos com as suas gentes. Como em muitos outros países da América Latina, a fé dos paraguaios está impregnada de amor à Virgem. Acodem confiadamente à sua Mãe, abrem-Lhe o seu coração e confiam-Lhe as suas alegrias e penas, as suas esperanças e sofrimentos. A Virgem consola-os e, com a ternura do seu amor, acende neles a esperança. Não deixeis de invocar e confiar em Maria, Mãe de misericórdia para todos os seus filhos sem distinção.

À Virgem, que perseverou em oração com os Apóstolos à espera do Espírito Santo (cf. Act 1, 13-14), peço-Lhe também que vele pela Igreja e fortaleça os vínculos fraternos entre todos os seus membros. Possa a Igreja, com a ajuda de Maria, ser casa de todos, uma casa que saiba hospedar, uma mãe para todos os povos.

Queridos irmãos, peço-vos, por favor, que não vos esqueçais de rezar por mim. Sei bem quanto amais o Papa no Paraguai. Também eu vos levo no coração e rezo por vós e pelo vosso país.

E agora, convido-vos a rezar o Angelus à Virgem Maria.

Bênção

O Senhor vos abençoe e vos proteja. Faça brilhar sobre vós o seu rosto e vos acompanhe com a sua misericórdia. Dirija para vós o seu olhar e vos dê a sua paz. Abençoe-vos Deus todo-poderoso, Pai, Filho e o Espírito Santo desça sobre vós e permaneça para sempre.

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Todas as fotos: Gentileza de Sebastián Woitas, Serviços fotográficos #72ph, Asunción, Paraguai
Original: Espanhol. Tradução: Lena Ortiz, Ciudad del Este, Paraguay

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