Posted On 2018-02-20 In Artigos de Opinião, Comunicação

A comunicação da verdade

Carlos Barrio y Lipperheide, Argentina, autor de “La alegría en el trabajo” •

Comentário à oração do Papa Francisco para a 52ª Jornada Mundial das Comunicações Sociais (2018). —

Senhor, fazei de nós instrumentos da vossa paz.
Fazei-nos reconhecer o mal que se insinua em uma comunicação que não
cria comunhão.
Tornai-nos capazes de tirar o veneno dos nossos juízos.
Ajudai-nos a falar dos outros como de irmãos e irmãs.
Vós sois fiel e digno de confiança;
fazei que as nossas palavras sejam sementes de bem para o mundo:
onde houver rumor, fazei que pratiquemos a escuta;
onde houver confusão, fazei que inspiremos harmonia;
onde houver ambiguidade, fazei que levemos clareza;
onde houver exclusão, fazei que levemos partilha;
onde houver sensacionalismo, fazei que usemos sobriedade;
onde houver superficialidade, fazei que ponhamos interrogativos
verdadeiros;
onde houver preconceitos, fazei que despertemos confiança;
onde houver agressividade, fazei que levemos respeito;
onde houver falsidade, fazei que levemos verdade.
Amén.

Francisco

 

Carlos Barrios

O Homem expressa-se através da comunicação. Tudo o que faz é comunicado de uma ou outra forma. Como diz Watzlawick “não é possível, não nos comunicarmos” [1],porque “toda a conduta é comunicação” [2].

Por isso, ao comunicarmos, expressamos o nosso ser, as nossas crenças e valores. Mas, muitas vezes, tratamos de ocultar as nossas verdadeiras intenções através de mensagens que, na aparência, dizem alguma coisa mas, têm outra intenção que é mantida ou pretende manter-se oculta, ou também, falseando directamente a realidade conscientemente (“fake news”). O que se procura com estas falsas mensagens é atrair a atenção e a adesão das pessoas para certas causas destacando certos aspectos e ocultando outros.

Todos nós, em algum momento, já, de alguma maneira e em alguma medida, caímos nesta armadilha a que poderíamos chamar “manipulação” da mensagem que transmitimos a outros e que usamos para levar a água ao nosso moinho, criando confusão, ambiguidade, exclusão, sensacionalismo, superficialidade, prejuízo, agressividade e/ou falsidade no que transmitimos, como assinala o Papa Francisco na sua oração.

A comunicação começa no coração do Homem

Por isso, a autêntica comunicação começa no coração do Homem, na sua intenção mais profunda, naquele lugar onde a mentira não tem lugar, “onde reina a veracidade e a verdade domina tudo e sobre tudo triunfa”[3]. Procurar transmitir a verdade é todo um processo humilde, árduo e profundo que traz implícito consigo um compromisso de fidelidade para expressarmos o que vemos como realidade e reconhecemos como verdadeiro, sabendo que, o nosso olhar é sempre parcial e estreito e que temos que deixar espaço para outras interpretações.

Por um lado, vemos como na nossa cultura, os modelos mentais e os nossos interesses nos levam – muitas vezes sem darmos conta – a enfatizar e/ou relativizar alguns aspectos da realidade que apreendemos. Como diz o Talmud “não vemos o mundo como é mas, como somos”,

Mas, por outro lado, temos que reconhecer que o nosso coração se inclina para o mal e para o egoísmo e que, nessas circunstâncias, quando comunicamos, o fazemos baseados em interesses mesquinhos, ocultando, conscientemente, a verdade.

As perspectivas de interesse

Quando comunicamos devemos ter muito presentes as nossas perspectivas de interesse, isto é, aqueles aspectos que reflectem a estrutura pessoal que nos constitui e a situação ou circunstâncias pessoais, no que respeita a interesses, anseios e necessidades que, cada um de nós tem e persegue. Diz Kentenich, que, “a minha natureza tem um ponto de vista muito particular, uma perspectiva e essa perspectiva é ditada pelos meus interesses, pela minha vida. A minha natureza está, assim, orientada e quer uma resposta. Esta é pois, a perspectiva do interesse” [4]

À minha mente vêm, imediatamente, os diferentes olhares que surgem a partir das perspectivas de interesse que existem, se somos donos ou empregados de uma empresa, ou se somos membros de uma associação empresarial ou de um sindicato. A escuta da perspectiva de interesse reflecte os nossos desejos e necessidades e os dos outros, muitas vezes conscientes e outras não tanto [5]

Somente, a partir desta consciência da dificuldade que, todos temos em sermos objectivos nos nossos julgamentos é que poderemos ir descobrindo a verdade.

Evangelizar a nossa perspectiva de interesse

Como me dizia no outro dia o Padre José Maria García, um dos grandes desafios que temos, hoje em dia, é o de evangelizar a nossa perspectiva de interesse, enchendo-a de valor para a ressignificar. Se, por exemplo, no mundo do trabalho, o empresário tem um olhar estreito e redutor dos seus próprios interesses, provavelmente, não poderá incluir na sua perspectiva os interesses dos assalariados e, portanto, não os compreenderá nem os levará em devida conta. De igual modo, se o assalariado não amplia a sua compreensão da sua perspectiva de interesse incluindo os interesses do empresário, não poderá entendê-lo nem abarcar a problemática que este último vive. Tomar em consideração a perspectiva de interesse da outra pessoa e integrá-la na minha, é a meu ver, um dos grandes desafios que enfrentam, a comunicação e as empresas.

Kentenich era muito consciente das tensões que se vivem na sociedade e, em todas as organizações e, por isso, ofereceu-nos caminhos para as superar através do que ele chamou uma “criadora unidade de tensão” [6], na qual os polos em confronto não se devem independentizar mas, integrar-se, descobrindo que se trata de uma mesma realidade orgânica. Seguindo esta linha, podemos dizer que não existe empresa sem capital mas, tão pouco, sem trabalho. Os dois aspectos devem ser integrados numa perspectiva de interesse que os abarque e lhes dê forma e que não os dissocie, isole e ponha em confronto de modo destruidor.

Se não conseguirmos estabelecer uma criadora unidade de tensão produzir-se-á uma destruidora unidade de tensão. Lamentavelmente, isto acontece muitas vezes como consequência da imposição, pela força, de uma das partes em tensão, sobre a outra. Diariamente, vemos esta falta de vinculação dos polos em tensão, nos salários paupérrimos que são fixados, em muitos lugares, pelas empresas que, têm uma posição dominante no mercado, assim como, noutras circunstâncias, nas greves intermináveis, com as quais não se procura superar o conflito e, se prolongam no tempo. Estes são dois exemplos típicos do fecho de comunicação e acaba a instalar-se uma destruidora unidade de tensão entre as partes. Só a partir de uma síntese superadora da tensão podemos rezar com o nosso Papa Francisco “Fazei-nos reconhecer o mal que se insinua numa comunicação que não cria comunhão” como nos propõe.

Sermos autores ou origem de vida transbordante

Esta comunhão não nos deve levar à uniformidade sem tensão mas, conseguir esta síntese criadora [7] que nos permita descobrir as correntes de vida que nos cruzam. Para a sua procura deveremos desenvolver uma autêntica liderança que nos conduza a “sermos autores ou origem de vida transbordante” [8] como destaca Kentenich. Tão forte e desafiadora é a liderança que propõe! O líder é aquele que é capaz de “manter um contacto vital” [9) com os seus colaboradores, sendo consciente que, em cada pessoa e na comunidade, existe uma torrente de vida [10). Portanto, o líder será aquele que deverá estar à escuta da realidade para ir descobrindo onde se encontram as correntes de vida, para as ir fomentando, desenvolvendo e fazendo circular através de todos. [11]

Gostaria de trazer à colação dois casos que representam polos opostos de liderança e de comunicação, um orientado ao desenvolvimento de correntes de vida e outro fechado sobre si mesmo e destrutivo.

O primeiro, encontro-o na empresa peruana de Segurança Privada Liderman, fundada por Javier Calvo Pérez. A actividade dos guardas de segurança estava muito desprestigiada no Perú quando Calvo Pérez começou a fazer a sua incursão nesse campo. Os guardas eram ridicularizados e considerados pessoas muito básicas, sem educação nem critérios de discernimento. Calvo Pérez devolveu-lhes a dignidade.

Conta no seu livro “La oreja en el piso” [12] que “o nosso esforço de anos se focou em recuperar a dignidade de todas as pessoas que trabalham no sector da vigilância privada, sobretudo na América Latina” [13] Deste modo, levou a cabo o que Francisco diz na sua oração “onde houver agressividade, fazei que levemos respeito”. Assinala que, a chave do seu êxito esteve “…Trabalhar só com pessoas e empresas éticas que tenham os mesmos e/ou similares valores que os nossos, que estejam comprometidas com os seres humanos, com a sociedade e com o meio ambiente”. [14]  A partir desta perspectiva levou para a frente a frase da oração de Francisco que diz “onde houver falsidade, fazei que levemos a verdade”.

Outro dos aspectos centrais dos seus princípios empresariais que, aplicou à sua empresa, baseou-se em que “o líder…deve ter…a orelha no andar da organização, para ouvir para baixo, tanto quanto for possível, incluindo aquelas pessoas a quem, geralmente, ninguém lhes oferece tempo nem abertura necessária para falarem sobre os seus sentimentos”. [15]

Deste modo, Calvo Pérez assentou como princípio o que Francisco nos diz na sua oração “onde houver rumor, fazei que pratiquemos a escuta”.

O caso da Volkswagen

O segundo tipo de liderança e comunicação que, classifico como mecanicista e orientado ao seu próprio e único exclusivo benefício, sem se importar e levar em consideração o bem comum, podemos exemplificá-lo na falsa informação que tanto a Volkswagen como a Toyota transmitiram às autoridades reguladoras dos Estados Unidos da América em diferentes circunstâncias. A Volkswagen reconheceu ter equipado uns 11 milhões de veículos diesel, no mundo inteiro, vendidos entre 2009 e 2015, com um software capaz de falsear os resultados num teste de contaminação dos motores diesel.

Como resultado desta fraude, os seus motores contornaram, com êxito, os requisitos da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA). Os veículos implicados emitem atá 40 vezes o limite legal de óxidos de nitrogénio pelo que, é posto em dúvida se os motores diesel da companhia alemã são, na realidade, mais limpos que os seus motores a gasolina.

A Volkswagen admitiu que, o que aconteceu lhe custou 18.200 milhões de dólares. Por seu lado, a Toyota foi investigada durante 4 anos pelas autoridades norte-americanas para determinar se tinha enganado os seus clientes e as autoridades com os problemas das repentinas acelerações dos seus carros. Finalmente, a Toyota foi penalizada por ter escondido os defeitos dos carros, isto é, por mentir e dar a ideia que o inconveniente tinha sido solucionado. Os defeitos nos veículos causaram a morte a mais de duas dezenas de pessoas. Eric Holder, um dos membros do Departamento de Justiça usou os termos mais enérgicos possíveis para falar da empresa, ao dizer que, a conduta da Toyota tinha sido “vergonhosa” e que “preferiam proteger a marca a proteger os seus clientes”.

Estes casos falam-nos da cultura do engano e da mentira, contrária a uma corrente de vida. E mais, eu diria que são, justamente, correntes de morte que, para além disso, ao estarem baseadas no engano, custaram a vida a pessoas e contaminaram o meio ambiente.

Temos que voltar a descobrir o verdadeiro sentido da empresa como nos diz Enrique Shaw, que “…além de ser uma célula da vida económica, deve ser uma comunidade de vida” [16], que fomente a contribuição dos trabalhadores para “a iniciativa própria e que contribuam com um caudal imprevisto de fantasia criadora…”[17] e se sintam estimulados a trabalharem com alegria”. [18].

Deste modo, poderemos integrar as perspectivas de interesse de todos os participantes e criadores de riqueza empresarial e fomentar-se-ão as correntes de vida que vão surgindo no nosso caminho.

Só através de uma liderança que se entenda como serviço à vida será possível recuperar a confiança do Homem no Homem e a alegria que surge de um trabalho cheio de sentido, criando uma sã comunicação, para assim, podermos rezar com Francisco “Vós sois fiel e digno de confiança: fazei que as nossas palavras sejam sementes de bem para o mundo”.

Carlos E. Barrio y Lipperheide, carlosebarrio@gmail.com, 17/2/18

Mensagem do Papa Francisco para a 52ª Jornada Mundial das Comunicações Sociais

[1] P. Watzlawick, J. Beavin Bavelas y D.D. Jackson, “Teoría de la Comunicación humana. Editorial Herder (1997), pág. 52.
[2] P. Watzlawick, J. Beavin Bavelas y D.D. Jackson, “Teoría de la Comunicación humana. Editorial Herder (1997), pág. 50.
[3] José Kentenich. “Rumo ao Céu”, 604.
[4]cfr. Horacio Sosa. “El Desafío de los Valores. Aportes de José Kentenich a la pedagogía actual”. EDUCA (Ediciones de la Universidad Católica Argentina). Año 2.000, pág. 263
[5] Dice Juan Pablo Berra que “… todos los sentimientos son energías que brotan como consecuencia de un deseo o de una necesidad satisfecha o insatisfecha.” Juan Pablo Berra. “Los 7 niveles de la Comunicación”. Editorial SB. Julio 2009, pág 89.
[6] José Kentenich. “Mi filosofía de la educación”. Editorial Schoenstatt (Agosto 1985), pág.11.
[7] Idem
[8] Idem, pág. 46
[9] José Kentenich. “Textos Pedagógicos”. Editorial Nueva Patris (Herbert King) – 2005-, pág.304.
[10] Idem, pág. 304 y 305.
[11] Idem, pág. 306
[12] Javier Calvo Pérez. “La oreja en el piso”. Editorial Aguilar (2012).
[13] Idem, pág 15
[14] Idem, pág. 28
[15] Idem, pág. 38
[16] Enrique Shaw. “… y dominad la tierra”. Editorial ACDE (2010), pág.29.
[17] Idem
[18] Idem, pág. 30.

 

Original: espanhol (19/2/2018). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

 

 

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