Posted On 2016-07-23 In Artigos de Opinião

Aprender a hospedar

Pe. Óscar Saldivar, Tuparenda •

Queridos irmãos e irmãs

A Liturgia da Palavra hoje apresenta-nos o tema da “hospitalidade”, tanto na Primeira Leitura tirada do Génesis (Gn 18, 1-10a), como no Evangelho de S. Lucas (Lc 10, 38-42). O mesmo tema ecoa na resposta litúrgica no Salmo 14 : “Senhor, quem entrará no teu santuário?”

A hospitalidade de Abraão

O tema da hospitalidade marca “toda a história de Israel. Com efeito, o hóspede que passa e pede o tecto que lhe falta, lembra a Israel a sua condição anterior de forasteiro e estrangeiro de passagem sobre a Terra”. [1]  Assim o expressa o texto bíblico do Levítico 19,34: “O estrangeiro que reside convosco será tratado como um dos vossos compatriotas e amá-lo-ás como a ti mesmo, porque fostes estrangeiros na terra do Egipto”

Abraão é apresentado como o modelo de toda a hospitalidade. Vemo-lo no texto que acabámos de escutar. Abraão não se limita a oferecer hospitalidade em resposta a um pedido; mas toma a iniciativa e oferece hospitalidade antes de lha pedirem.

Diz o texto do Génesis: “Abraão ergueu os olhos e viu três homens de pé em frente dele. Imediatamente correu da entrada da tenda ao seu encontro, prostrou-se por terra “ (Gen 18,2). Mal vê estes homens ao pé da sua tenda, sai ao seu encontro, inclina-se e oferece hospitalidade. Ver, sair ao encontro, inclinar-se e hospedar: quatro atitudes e acções de hospitalidade.

O Homem que vê é aquele que não está encerrado em si próprio – nos seus egoísmos e indiferenças – e, porque vê, é capaz de perceber a realidade que o rodeia e reparar na necessidade dos seus irmãos. Perante esta necessidade, sai ao encontro compromete-se com o outro, torna sua, a necessidade dele. Mas, fá-lo de tal modo que se inclina com respeito perante o outro, perante o necessitado. Assim, a ajuda que oferece não faz o outro sentir-se menosprezado mas, dignificado. E, assim, acolhe-o, hospeda-o, recebe-o no seu lar.

É interessante que o texto do Génesis assinale que, o fruto desse encontro entre Abraão e estes forasteiros, seja o anúncio que ele e a sua esposa Sara receberão um filho (cf. Gn 18, 10a). O que tem a coragem de acolher, de hospedar; o que tem a coragem de se encontrar com o outro, sempre recebe um dom, uma vida nova.

A hospitalidade de Marta e de Maria

O Evangelho (Lc 19, 38-42) apresenta-nos o conhecido episódio de Marta e Maria. Olhando-o, segundo a perspectiva da hospitalidade, poderíamos dizer que, ambas mulheres – cada uma à sua maneira – ofereceu hospitalidade a Jesus. Por um lado, Marta que o “recebeu em sua casa” (Lc 10,38); e por outro lado, Maria que “sentada aos pés do Senhor escutava a Sua palavra” (Lc 10,39).

Contudo, perante a reprovação de Marta sobre as tarefas de casa e a resposta de Jesus: “O Senhor respondeu-lhe: «Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.» (Lc 10, 41-42); vale a pena que nos interroguemos, de novo, que significa hospedar? Que significa oferecer hospitalidade?

Parece que a resposta de Jesus nos indica que hospedar não se trata, simplesmente, de acolher uma pessoa na nossa casa mas, hospedar significa, em primeiro lugar, acolher uma pessoa no nosso coração.

Hospedamos, acolhemos, oferecemos hospitalidade sobretudo quando ofertamos lar no nosso coração. Quando os outros experimentam o acolhimento em nós. E, como fruto desse acolhimento dos outros no nosso coração, nascem as atenções concretas da hospitalidade.

Compreendemos então porquê uma das obras da misericórdia corporal é “acolher o forasteiro”. E, quando acolhemos, de coração, uma pessoa que, precisa de um tecto, um repouso ou companhia, estamos a acolher o próprio Cristo que Se faz peregrino e necessitado de hospitalidade nos nossos irmãos: “E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: ‘Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.’ (Mt 25,40)

Aprender a hospedar

Esta meditação à volta da hospitalidade, lembra-me as palavras que o Papa Francisco pronunciou durante a Missa que celebrou no campo de Ñu Guasu, durante a sua visita ao Paraguai. Dizia-nos o Papa: “cristão é aquele que aprendeu a hospedar, que aprendeu a alojar” [2]

Olhando para a Sagrada Escritura – tanto no Antigo Testamento como no Novo – podemos deduzir que, aprender a hospedar tem uma dupla dimensão, um duplo sentido.

Em primeiro lugar, aprender a hospedar trata-se de aprender a ser “hóspede”. Aprender a depender da bondade dos outros, aprender a depender da bondade de Deus e da Sua Providência. Deixarmo-nos abrigar, acolher. Deixarmo-nos fazer misericórdia; o qual requer humildade e que renunciemos à pretensão da autossuficiência e do controle.

Em segundo lugar, aprender a hospedar significa aprender a ser “hospitaleiro”, aprender a acolher os outros. Aprender a receber os outros, a cuidar, a tratar bem, a respeitar e a valorizar. Em definitivo, dar lar. “Quantas feridas, quanto desespero se pode curar num lar, onde nos podemos sentir acolhidos” [3]

O aprender a hospedar trata-se dum estilo de vida: receber acolhimento e oferecer acolhimento. Esse é o caminho dos discípulos de Jesus, o caminho dos que seguem o Senhor que, ainda continua à procura de um lar onde ser acolhido, um coração onde habitar.

Por isso, aqui no Santuário de Tupãrenda, pedimos a Maria, Mãe da Misericórdia e da hospitalidade, que nos eduque: que nos ensine a deixarmo-nos hospedar por Deus para que também nós ofereçamos hospitalidade aos nossos irmãos que sofrem e, deste modo, nos encaminhemos juntos para entrar na casa do Senhor. Amén

[1] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO, As obras de misericórdia corporais e espirituais (San Pablo, Buenos Aires 2015), 57s.
[2] PAPA FRANCISCO, Santa Missa, Campo Grande de Ñu Guasu, Paraguai, 12 de Julho de 2015. [en línea]. [data da consulta: 16 de Julho de 2016]. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/francesco/es/homilies/2015/documents/papa-francesco_20150712_paraguay-omelia-nu-guazu.html>
[3] Ibídem
Original: espanhol. Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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